Mais uma contribuição do psicólogo Bruno Farias abordando comportamentos que ocasionam grandes problemas financeiros às pessoas.
Dessa vez , o investidor Rômulo Machado entrevistou Bruno para o blog Conhecimento Financeiro. A matéria esclarece dúvidas sobre a doença emocional do mundo moderno : a compulsão por compras.
Como identificar se os limites entre necessidade e desejo são ultrapassados? Por que as pessoas precisam comprar cada vez mais? Qual o melhor caminho para livrar-se dessa compulsão?
Confira abaixo a matéria com os alertas do psicoterapeuta e hipnólogo :
Conhecimento Financeiro: Bruno, o objetivo maior do nosso site é contribuir para o desenvolvimento da Educação Financeira. Sabemos que a questão comportamental exerce uma forte influência na maneira como lidamos com o dinheiro. Na sua experiência clínica, você já atendeu pessoas que procuram seus serviços por alguma compulsão relacionada direta ou indiretamente ao dinheiro?
Bruno Farias: Sim, e muito! Já atendi diversos casos cuja principal queixa eram as compulsões por compras e o desastre financeiro que isso gerava na vida das pessoas. A questão comportamental é altamente influente nesse aspecto, porém o mais importante são os fatores psicológicos, como por exemplo as emoções associadas a compra de novos produtos, a questão do status perante o grupo, o alívio emocional gerado por uma nova compra, etc. Vou me esforçar para que no decorrer de nosso bate papo eu possa estar esclarecendo cada um desses aspectos. Quero lembrar que a Psicologia acredita que nossa saúde é dividida em 5 esferas: saúde física, saúde familiar, saúde social, saúde de produtividade (aqui entra a questão de estar satisfeito com seu trabalho) e saúde financeira. Acreditamos que estar em paz e equilibrado na questão financeira não é um luxo, e sim uma questão de saúde.
Conhecimento Financeiro: Porque o ato de comprar pode virar uma compulsão?
Bruno Farias: O ato de comprar pode virar uma compulsão devido a uma questão muito simples, mas ao mesmo tempo preocupante: nossa sociedade, num modo geral, está muito insatisfeita com a vida. Parece que ninguém mais está de bem com a vida. Todos olham para a vida dos outros através das redes sociais e dos programas de televisão e acreditam que a existência alheia é mais colorida que a própria. A angústia gerada por essa comparação é muito amarga. Algumas pessoas sentem um alívio temporário de suas tristezas ao comprar novos itens. Acreditando que terão uma vida mais rica ou um momento melhor pela aquisição de determinado bem de consumo, acabam transformando o ato de comprar em uma compulsão. Pois a angústia retorna em pouquíssimo tempo após a compra, levando a pessoa a novas compras, para sentir novamente aquele breve período de prazer. Não adianta apenas ensinar as pessoas a dominarem seus impulsos consumistas, é necessário alterar a maneira como elas encaram a própria realidade, muitas vezes, temos mesmo que alterar a própria realidade! Quebrar as algemas que as prendem no mundo das aparências, soltar as amarras que as seguram nesse patético (e perigoso!) idealismo de culto ao corpo, ao padrão de beleza perfeito (e inalcançável). Também é necessário um retorno às alegrias simples e belas, para que o prazer de viver seja alcançado por aquilo que você experimenta dentro da própria vida, e não pela quantidade de objetos que você consegue comprar, nem pela quantidade de pessoas que você acha que pode impressionar. Urgentemente precisamos dominar nossa tendência de nos compararmos com os outros, e termos consciência de que podemos ter uma vida rica, harmoniosa e singular. Tendo respeito, carinho e amor próprio. Parece um assunto de poeta, mas acredite, isso é possível! Sendo direto, uma pessoa que está tranquila e satisfeita com sua própria existência dificilmente será atraída para as compulsões de compras.
Conhecimento Financeiro: Alguns estudos indicam que a compulsão por compras é mais prevalente entre as mulheres. Existe alguma explicação para isso?
Bruno Farias: Esses estudos foram revistos e perceberam que isso não é verdade. O que acontece é que em alguns países pesquisados (incluindo o Brasil), as mulheres têm a tendência de comprar peças com valores maiores. Por exemplo, uma mulher compra um sapato de 400 reais. E isso gera um escândalo na família. Já os homens gastam a mesma quantidade ou até mais com pequenos itens, principalmente relacionados a bebidas alcoólicas. Saindo do escritório e tomando uma cervejinha, indo para academia e pegando uma bebida energética. De pouco em pouco, no fim das contas perceberam que os homens são capazes de gastar até mais.
Conhecimento Financeiro: Como lidar com a vontade de querer sempre mais? Existe alguma forma de identificar quando um comportamento passa de um padrão normal para um padrão compulsivo?
Bruno Farias: A compulsão é caracterizada quando não há controle. Se os familiares percebem que com muita frequência a pessoa volta para casa com objetos que ela não precisa e não utiliza, e se no fim do mês a pessoa está passando por dificuldades financeiras, pois foi gastando mais que o devido. Isso é a caracterização da compulsão clássica. Mas existem outros sinais de compulsão disfarçados. Por exemplo: aquela pessoa que não consegue se organizar para dar uma passo maior em sua vida. Ou que não consegue arcar com as despesas de um curso importante, de uma viagem, ou de comprar um imóvel, por exemplo. Quando investigamos e percebemos que a pessoa não tem condições de arcar com essas responsabilidades devido a seus “pequenos gastos” do cotidiano, suas compras constantes, então também estamos diante de um compulsivo. Uma terceira forma de compulsão será encontrada naquelas pessoas que não pensam no futuro financeiro. Não possuem nenhuma aplicação séria. Não planejam uma aposentadoria, por exemplo, nem se planejam para um futuro próximo (em média 5 anos). Pessoas que querem aproveitar o agora como se não houvesse amanhã, gastando todo dinheiro que possuem, são também consideradas consumistas pela Psicologia contemporânea. Não há nada mais triste do que encontrar aquela pessoa que viveu infinitos prazeres durante sua vida, viajou, comeu bem, comprou o que quis, e hoje tem dificuldades para conseguir sobreviver. Infelizmente esse tipo de quadro é muito comum. Importante destacar que as compulsões podem também ser de origem psiquiátrica. Um paciente que sofre de bipolaridade, por exemplo, saiu para comprar pão na padaria e voltou com um carro novo 0 km. Em estado de “mania” as compulsões se tornam incontroláveis. Familiares e psicólogos precisam estar atentos, muitas vezes as compulsões são sintomas de quadros psiquiátricos mais graves.
Conhecimento Financeiro: Os psicólogos são imunes à compulsão por compras?
Bruno Farias: Não! Serei franco ao dizer que eu mesmo já sofri disso. Vou explicar: sou apaixonado pela Psicologia! Sou dessas raras pessoas que são completamente apaixonadas pelo que fazem. A Psicologia é uma ciência altamente fascinante. Sempre existem novos conhecimentos, novos cursos, novos grupos de estudos e supervisão e novos livros, os bons e amados livros! A ânsia de querer beber tudo de um gole só. De querer estar sempre atualizado para poder ajudar mais as pessoas e ser um profissional cada vez melhor, me levou a passar uma fase complicada. Eu havia me inscrito em cursos demais, comprei livros demais. Estava estudando demais. Eu gostaria muito de ser como os mestres que tanto admirava. Queria ser tão sábio e inteligente quanto eles eram, e queria poder ser útil as pessoas assim como eles eram para aqueles que os procuravam em seus consultórios. Eu me achava velho demais para conseguir aprender tudo o que existia. Isso me fez ter um certo descontrole durante um período de tempo, período esse que foi bastante amargo. Trabalhei isso em terapia e, conforme fui me conscientizando de meus valores, me reconectando com minha autoestima, comecei a gostar mais da minha realidade e de meus avanços, aí sim o controle financeiro voltou a se fazer presente e a compulsão com gastos intelectuais sumiu da minha vida. Então a resposta é não! Um psicólogo não está imune a nenhum problema humano, entre eles, a compulsão por compras. Mesmo sendo psicólogo com uma formação sólida, precisei da ajuda de um outro profissional. Apenas quando voltei a terapia consegui realmente me equilibrar.
Conhecimento Financeiro: Você teria alguma dica prática para ajudar as pessoas a evitar as compulsões e a promover a saúde financeira?
Bruno Farias: Sim! Elimine de sua vida os “pequenos gastos”. Muitos de meus clientes se surpreendem quando percebem que aqueles pequenos gastos do dia a dia, no fim do ano, representam um rombo financeiro enorme! Aquele lanche que você compra mesmo sem estar com fome. Aquele cafezinho a mais. Aquele produto baratinho que estava em promoção quando você passava. Tudo isso parece inofensivo, mas os pequenos gastos são responsáveis pela maioria dos assombros financeiros. Isso acontece tanto no âmbito empresarial como no pessoal.
Conhecimento Financeiro: O que fazer para tratar a compulsão por comprar?
Bruno Farias: Caso você se perceba um compulsivo, ou tenha alguma amigo ou familiar com esse comportamento, procure imediatamente atendimento psicológico. Não tenha nenhum preconceito quanto a “passar no psicólogo”, acredite, esse é um investimento que vale totalmente a pena. É necessário encontrar um profissional que consiga ir no centro do problema, um psicólogo que não atue somente na superfície, com conselhos batidos e com técnicas de controle dos impulsos consumistas. É necessário encontrar um terapeuta que trabalhe a existência, os significados ocultos das compras. O que esse ato compulsivo está querendo mascarar? É nesse ponto que devemos chegar. Nenhuma outra forma de tratamento é comprovadamente tão eficaz como a terapia. Por exemplo, os remédios indicados pelo psiquiatra perdem o efeito e a pessoa volta a compulsão. Treinamentos comportamentais são ótimos para promover autoestima ou desempenhar outras importantes funções, mas não conseguirão chegar tão fundo como um acompanhamento psicológico. Procure ajuda o mais rápido possível. Não espere o sofrimento chegar a níveis exorbitantes.
Conhecimento Financeiro: Bruno, muito obrigado pelos esclarecimentos e por dedicar uma parte do seu tempo conosco. Espero que possamos estabelecer uma parceria duradoura para falarmos de mais temas que envolvam a Psicologia do Consumo em geral.
Bruno Farias: Foi um enorme prazer conversar com o site CONHECIMENTO FINANCEIRO, o trabalho desse site é realmente bastante esclarecedor, claro e acessível. Parabéns pelo trabalho e pela dedicação. Gostaria de me deixar à disposição de todos os leitores do site para responder as dúvidas relacionadas à Psicologia e sobre quaisquer outros assuntos em que eu possa ser útil. Um grande abraço do amigo Bruno Farias!